Leandro Quadros

Debate sobre a imortalidade da alma (Parte 2)

Continuação

A compreensão de que a morte é um sono; de que a natureza humana é holística; e que todo o ser do ímpio será destruído no lago de fogo (Mt 10:28), levou John Stott (outro teólogo evangélico) a concluir, sobre o “fogo eterno” mencionado no Apocalipse:

“O próprio fogo é chamado de ‘eterno’ e ‘inextinguível’, mas seria muito estranho se o que é lançado nele se revela indestrutível. Nossa expectativa seria o oposto: seria consumido para sempre, não atormentado para sempre. Assim é a fumaça (evidência de que o fogo realizou sua obra) que sobe para sempre e sempre (Ap 14:11; cf. 19:3)”.[1]

Basil Atkison (evangélico) faz uma observação interessantíssima sobre a expressão “castigo eterno”, que os tradicionalistas interpretam como sendo um “eterno castigar”:

“Quando o adjetivo aionios (eterno) com o sentido de ‘eterno’ é empregado no grego com substantivos de ação faz referência ao resultado da ação, não ao processo. Assim, a expressão ‘castigo eterno’ é comparável a ‘eterna redenção’ e ‘salvação eterna’, ambas sentenças bíblicas. Ninguém supõe que estamos sendo redimidos ou sendo salvos para sempre [como um processo]. Fomos redimidos e salvos de uma vez por todas por Cristo, com resultados eternos. Do mesmo modo, os perdidos não estarão passando por um processo de punição para sempre, mas serão punidos uma vez por todas com resultados eternos. Por outro lado, o substantivo ‘vida’ não é um substantivo de ação, mas um que expressa uma condição. Assim, a própria vida é eterna”.[2]

Sobre a existência do lago de fogo, convido o irmão a analisar a realidade bíblica de que o mesmo é situado no futuro, como vemos através de uma leitura simples de Apocalipse 20. Este capítulo nos mostra que os ímpios serão jogados no lago de fogo após os mil anos, o que corrobora o ensino bíblico de que os ímpios, inclusive os demônios, estão reservados para o juízo final que ainda não chegou (ver At 17:11; Mt 8:29; 2Pe 2:4). Portanto, nenhum ser maligno está sendo punidos atualmente.

Para finalizar este primeiro contato que envio ao irmão, não vejo o aniquilacionismo (ensinado tanto pelos adventistas quanto por diversos teólogos protestantes e católicos) como uma doutrina que torna a Deus “impotente para resolver o problema do mal”, como o irmão afirmou. Pelo contrário, vejo a doutrina do tormento eterno como um ensino que apresenta a Deus como impotente para acabar com o mal, deixando-o perpetuar para sempre na mente dos ímpios que blasfemariam dEle por toda a eternidade.

Creio que ao consideramos: (1) que antropologia bíblica é holística e não dualística como ensinaram os gregos; (2) que a morte é um sono até o dia da ressurreição (Ec 9:5, 6, 10; 1Co 15; 1Ts 4:13-18); (3) que Paulo e outros autores escreveram seus textos sob essa perspectiva holística veterotestamentária; (4) que o juízo e punição final dos ímpios será após o milênio (Ap 20:1-3 e 10); (5) que o “castigo eterno” o é em seus resultados e não um processo, como se o pecador também tivesse comido da árvore da vida para ser eterno; e que (6) a Bíblia ensina a existência de graus de castigo, ou seja: uns sendo mais castigos no lago de fogo por mais tempo que outros (veja-se Mt 10:14, 15; Lc 12:47, 48) – veremos que o a doutrina da aniquilação é bíblica e coerente com o caráter amoroso de Deus e com Seu justo processo de julgamento – de castigar ao ímpios proporcionalmente à rejeição a Cristo e às suas obras más.

De outro modo, se todos os pecadores recebessem a mesma sentença – tormento eterno – teríamos que supor que Deus punirá com a mesma intensidade tanto o pecador que O rejeitou por 70 anos e o Diabo, que O rejeita por milênios, espalhou toda a dor e tentou as pessoas a pecarem. Deus puniria com a mesma intensidade pecadores que rejeitaram a Cruz e o Diabo, que torturou seu próprio Criador no Calvário.

O contrário também é verdadeiro: se o Senhor aniquilasse instantaneamente o Diabo, Adolf Hitler e um pecador “comum”, que não se arrependeu ao longo da vida, isso também seria desproporcional e incoerente com o que é ensinado em Lucas 12:47, 48. Por isso, nós adventistas cremos na gradação de castigo, como pode ser visto na declaração de Ellen G. White, co-fundadora do adventismo, em sua obra O Grande Conflito, p. 544:

“Uma distinção, porém, se faz entre as duas classes que ressuscitam. ‘Todos os que estão nos sepulcros ouvirão a Sua voz. E os que fizeram o bem, sairão para a ressurreição da vida; e os que fizeram o mal para a ressurreição da condenação.’ João 5:28 e 29. Os que foram ‘tidos por dignos’ da ressurreição da vida, são ‘bem-aventurados e santos’. ‘Sobre estes não tem poder a segunda morte.’ Apocalipse 20:6. Os que, porém, não alcançaram o perdão, mediante o arrependimento e a fé, devem receber a pena da transgressão: ‘o salário do pecado’. Sofrem castigo, que varia em duração e intensidade, ‘segundo suas obras’, mas que finalmente termina com a segunda morte.”[3]

Espero que essas considerações motivem o irmão a continuar neste bom diálogo comigo, para que juntos aprendamos sobre as verdades da Palavra do nosso Pai.

[Se você não leu a primeira parte desse debate, clique aqui]

REFERÊNCIAS

[1] John Stott and David L. Edwards, Essentials: A Liberal-Evangelical Dialogue (Londres, 1988), p. 316.

[2] Basil F. C. Atkinson, Life and Immortality. An Examination of the Nature and Meaning of Life and Death as They Are Revealed in the Scriptures (Tauton, Inglaterra, s.d.), p. 101. Grifo acrescido.

[3] Ellen G. White, O Grande Conflito (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2014), p. 544. Grifos acrescidos.

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Sobre o Autor
Prof. Leandro Quadros

Com mais de 20 anos de ensino sobre a Bíblia em igrejas, congressos e programas de TV e rádio, desenvolvi diversos conteúdos – e-books, audiolivros e cursos; para compartilhar os meus aprendizados e tornar acessíveis temas teológicos complexos.

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